sábado, 6 de fevereiro de 2010

Tem que ter peito pra pedir à estrela


Como todas as noites daquele verão tórrido, ela deitou para dormir com a janela da varanda completamente aberta e com as cortinas escancaradas, pouco se importando se despertaria junto do sol. A cama de casal estava vazia. Como vinha sempre acontecendo, apesar de ter um companheiro. Aconchegou-se nos travesseiros, passando a perna sobre o mais alto de todos. Parecia um corpo masculino. Mas não era. Do andar alto onde morava, conseguia ver o céu. E as estrelas. As noites quentes andavam muito estreladas.

Era incapaz de fechar os olhos sem antes admirá-las. As estrelas... Como era mágico morar na cidade grande e poder vê-las da janela do quarto... Eram momentos de reflexão pré-sono. Olhava aqueles brilhinhos e pensava no quanto sua vida vinha brilhando, ou não. Às vezes pensava nele. Às vezes pensava no outro. Alguém que fantasiava, mas não concretizava. Nessa noite, pensava no outro. E foi então que do céu rasgou uma luz. Uma pequena luz que, em poucas frações de segundo, se fez entender. Uma estrela cadente! Uma estrela cadente na cidade grande, numa noite calorenta e incômoda. Um verdadeiro milagre...

E ela fez um pedido. Tinha que ser rápida, ditava a superstição. Eu quero ser feliz com... com... pensa rápido, pensa rápido! ... com meu marido.

Havia pedido o óbvio. Não teve coragem de formular seu desejo mais íntimo. Aquele desejo que ninguém precisava saber. Só a estrela. Seria um segredo entre as duas e se a estrela quisesse realizar... ah, isso seria problema dela.

Por que agira assim? Por que havia preferido a segurança do matrimônio às terras trêmulas de uma nova paixão? Ainda que fugidia, ainda que apenas para sentir o seu sabor.

Talvez tenha acreditado que a estrela pudesse ler sua alma e fazer uma louca simbiose entre o que ela sente por ele e o que sente pelo outro. Trazer a paixão para dentro da estabilidade conjugal. Causar um terremoto seguido de tsunami pra sacudir aquele casamento e lhe jogar um balde de água fria. Desperta, brasa adormecida. Você ainda está aí.

Talvez... talvez... O fato é que não teve coragem. E agora tinha que se dar por satisfeita.

Ainda assim, sempre ao ir dormir durante as noites quentes que lhe restavam daquele verão, ficava de olhos bem abertos. Poderia ser que outra estrela cadente viesse lhe conceder um desejo. Haveria de ser mais corajosa.

15 comentários:

sidney ferreira disse...

O delicioso do seu texto é ser quase visual. Pude imaginar a cena e mesmo a estrela cortando o céu e o coração desta mulher. Em minha relação de quase 19 anos, talvez o meu pedido fosse parecido com o da personagem, mas sempre fica a dúvida do que uma paixão possa fazer render... E o que é o amor se não um tsunami, com ou sem fantasias? Você está escrevendo lindamente. Parabéns, bjs

Anônimo disse...

Olá Prima! :D
Vi agora o teu comentário, obrigada! Ainda bem que gostaste :)
Aos poucos vou actualizando e melhorando o blog...

Já sabia do teu. Por vezes vinha cá ver as novidades e ler as tuas historias! é muito bonito! ;)

Vou passando por cá, para estar um pouco mais perto de todos voces!

Um grande beijinho a toda a familia, com amor e muitas saudades!

Beijos, Joana Pena.

JPassaro disse...

Este texto fez-me lembrar de minha infância - calma, não tive paixões infantis. Lembranças das estrelas que eu via em Vassouras, quando era criança. Inclusive, quando da passagem do cometa Harley em 1986. Eu estava em Vassouras e torcia para vê-lo, por um bom tempo. Aquela antiga cidade das fazendas de cafés do Brasil Colônia, situada no Rio de Janeiro, sempre teve um céu estrelado - certa vez acredito ter visto um daqueles ovnis...
Mas, naquele dia da passagem do cometa Harley, eu não o vi. Não sei exatamente porquê: se foi devido ao mau tempo, se eu já havia ido dormir, se eu esqueci de olhar para o céu ou se foi porque não foi um dia propício para vê-lo.
Bem, sei que ele só passa de 76 em 76 anos. Só em 2062 para eu tentar vê-lo de novo. De modo que apenas estiver com 81 ou 82 anos poderei realizar um desejo infantil.
As oportunidades passam, tal como a vida, não é verdade ? Espero ter uma segunda oportunidade.
Todos nós, não é mesmo ?

JPassaro disse...

Aninha, a partir de agora os meus comentários serão assinados por TBrigada e não mais por Sarcosa. Fiz aqui um perfil para melhorar isso ;)

patdantas disse...

Sua personagem ficou com medo de arriscar?! Acho que faria o mesmo se estivesse no lugar dela. Vai que o outro não é tudo isso...
Gostei muito!
bjo

Cláudia disse...

Às vezes é preciso ter mais coragem para reconstruir do que para construir.

Lindo texto, Ana!

Luiz Fernando Prôa disse...

Fugaz

a natureza urbana
uma janela de estrelas
a natureza humana
universo de incertezas
sonho ou tsunami
meteoro ou instante
a vida segue cadente
e a gente nem sente
que a alma deseja
a volúpia do cometa

Luiz Fernando Prôa

Luiz Fernando Prôa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luiz Fernando Prôa disse...

http://www.almadepoeta.com/faces190.jpg

Cláudia Lima disse...

Anitaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Concordo com o Sidney.
Me senti a própria personagem do seu texto (por ser quase visual). Mas, acho que muitos de nós têm medo de nossos desejos mais íntimos....
Confesso que nunca deixo de fazer um pedido para as estrelas cadentes, sejam ousados ou não!
Amei!
Beijo enorme.

Maria Teresa disse...

Oi minha querida cronista,
desejos ocultos...
pedir ou não pedir...
ser ousado ou cauteloso...
disto tudo só uma certeza:
a gente se arrepende do que fez sim. Mesmo sabendo que não adianta nada, que já está feito...
Crônica, como sempre, de mestre!
Beijocas saudosas,
Maria Teresa

Anônimo disse...

Ana,

Você escreve muito bem e seus textos são deliciosos de ler!!
Não deixe de acreditar nisso sempre!!!

Beijos
Claudia

ira disse...

AMEI! fez lembrar-me de um tempo de paixão avassaladora onde escrevi:
Viver em constante oscilação
Numa eterna ansiedade
|De não se saber na verdade
Onde vai dar esse chão
Saber que não se quer mais
caminhar por esta estrada
E apesar disto, ficar
Parada na encruzilhada
Esperando ele chegar
Querer tornar-se heroína
e se sentir a bandida
Será cruz ou será sina?
Não, não, é amor demais
Que te domina!

Carolina Martínez disse...

adoro ler seus textos, são ótimos!
Coragem que tudo vai dar certo.

beijos

Fernando Freire Jr. disse...

Se eu pudesse fazer um pedido agora, certamente seria receber esse dom que vc tem. De ser concisa e certeira com as palavras. Expressar tanto com tão pouco. Porque meu maior problema ao escrever é justamente ser atropelado pelo meu prórpio cérebro e ser soterrado pela avalanche de idéias e palavras. Como vc consegue me fazer viajar nas suas palavras e sair da realidade num texto de 2 minutos? Amei!