terça-feira, 17 de junho de 2008

Faíscas

Os anos se passaram e ela nunca esqueceu aquela frase:
– De todas as mulheres que já tive, você foi a que mais me marcou na cama.
Mentira de homem? Bem possível. Mas, no fundo, ela sabia que era a mais pura verdade, porque...
– Você também. Nunca vivi com alguém a intensidade de sensações que experimentei com você.
Estas palavras foram jogadas numa mesa de bar, não após muitas rodadas de chope, como era costume entre eles. Mas num almoço. De despedida. Não havia teor etílico em nenhuma frase saída daquelas bocas de homem e mulher. Apenas sinceridade.
Eles nunca foram namorados. Amantes tão-somente. Amigos que, ao se verem, faiscavam. Para que a amizade se horizontalizasse, foram precisos muitos jogos de olhar, muita sedução, muita embriaguez.
Porque ele tinha alguém. Ela tinha alguém também. Mas, num intervalo de suas relações, a faísca virou um grande incêndio, que tomou seus corpos.
Num motel barato, deixaram vir à tona aquilo que estava submerso há tempos. Tesão. Puro tesão. Entre eles dois, havia sinal vermelho para o amor.
Uma noite inteira de entrega. Uma comunhão profana, celebrada com gemidos de prazer. Depois, o apagão sobre os lençóis, num entorpecimento de prazer.
A luz ainda fraca do sol transpassou a cortina rota do quarto. De sobressalto, ela retomou a consciência, lembrando que tinha uma reunião importante às dez. E, fitando o corpo nu que ainda dormia, escreveu no espelho com batom, dentro de um grande coração: “Foi maravilhoso!”
Flutuou pelas ruas rumo à sua casa. Engraçado... Nem mesmo com os homens com quem havia namorado, e supostamente tinha amado, se sentira assim. Não dormiu mais. Não havia sono. Estava completamente energizada pela força mais primitiva da natureza.
Chegou na reunião e não parava de sorrir. Uma colega notou algo diferente: “Nossa, como você está bonita, radiante...” Por cada poro de seu corpo, os vestígios da paixão exalavam satisfação. E ela passou o resto do dia com aquele sorriso bobo no rosto.
Não houve telefonema no dia seguinte. Nem no seguinte, nem no seguinte, nem no seguinte. Ela não se importava. Sabia que isso fazia parte daquele jogo que estava adorando participar.
Ela voltou para seu alguém. Ele começou com um novo alguém. Mas a cada briga de namorados, a cada fim de relacionamento, as estradas da vida os uniam novamente. E novas noites intensas vieram. Não em quantidade, mas em qualidade.
Até aquela tarde... Na mesa do bar, durante o almoço, se despediam.
– Encontrei alguém maravilhoso, com quem vou casar – disse ele.
– Nossa, que coincidência, eu também.
– Mas tem uma coisa que eu precisava te dizer. De todas as mulheres que já tive, você foi a que mais me marcou na cama.
Apesar da confirmação dela de que seu sentimento era recíproco, nada mais se podia fazer. Não cabia mais, para eles dois, a entrega de carnes, já que lhes faltava a entrega de almas. Só lhes restou dizer adeus.
O amor entre eles não estava nos planos.
Mas, sempre que se encontram, cada qual com seu amor ao lado, o melhor a fazer é evitar o olhar dentro do olhar. Algo lá dentro ainda faísca...

2 comentários:

Fernando Freire Jr. disse...

Bom, já que você fez confissões vexaminosas no meu blog, aqui vou eu: já tive uma "amiga" nessas circunstâncias há muitos anos, nos tempos de solteiro. Era encostar e sair faísca, exatamente como você descreveu. Não posso dizer que era uma relação vazia - afinal éramos grandes amigos - mas estava longe de ser algo especial. Tanto que perdemos contato há mais de uma década. Prefiro o tipo de relacionamento que tenho hoje... ;)Me ensina a criar personagens assim? rsrsrsrsrsr

julia disse...

Ana, adoro seus "casos",viajo literalmente quando leio seus textos.
Continue escrevendo!!!!
Espero ler em breve um livro de sua autoria.
Bjs