domingo, 24 de junho de 2007

E a Lapa foi pro brejo...

Estavam todos reunidos em volta de uma grande mesa naquele sábado à noite. Amigos de final de adolescência, início de fase adulta, todos agora beirando os 40 – ou com esta marca já ultrapassada. O motivo do reencontro era a inauguração do restaurante do Márcio, que decidiu fazer um open-doors apenas para convidados. Conversa vai, conversa bem... Choppinho vai, caipirinha de abacaxi vem... Meia-noite e meia o evento acaba. O grupo de amigos – formado em sua maioria por casais – está na porta do restaurante conversando sem parar, contando piadas, dando gargalhadas, sem querer dizer boa-noite. Beto, um dos poucos solteiros, lança:
– Gente, deixa eu ir porque ainda vou pra Lapa encontrar uma mulherzinha.
Foi a deixa para Ana, casada com Rômulo, mãe de duas filhas que estavam dormindo na casa de uma amiguinha:
– Lapa??? Tô dentro! – A liberdade era tanta, que ela até esqueceu de consultar o marido. – Gente, vambora todo mundo pra Lapa! Não vou na Lapa há anos e, na minha época, não era como agora. Meu sobrinho tá sempre lá e diz que tá bombando.
Olhos de espanto da maioria. Mulher encarando marido, marido encarando mulher. Até que Amaral, um dos maiores bebuns dessa galera, não titubeia.
– É isso aí! Vamos tomar a saideira na Lapa!
A mulher dele, Adriana, topa na hora e, por incrível que pareça, se torna a mais animada do grupo, superando até mesmo a empolgação inicial da Ana. É o famoso efeito caipirinha...
– Beto, a gente te dá uma carona – convida o Amaral.
Mas, quando todos chegam perto do carro novinho dele, surge um problema: o mecanismo que destrava o alarme emperra. Se tentarem abrir a porta, o alarme vai disparar e acabar com a paz daquela rua pacata de Botafogo. Os amigos ficam à beira do carro falando alto e rindo da situação, enquanto Amaral e Rômulo tentam consertar o alarme, até que a janela de um dos prédios se abre e de lá sai a cara amassada de uma mulher:
– Vocês estão pensando o quê? Quero dormir!!! Vão fazer bagunça em outro canto.
A turma – se achando adolescente – ri ainda mais e o jeito é todo mundo se apertar no carro velho da Ana e do Rômulo e seguir para Laranjeiras, pegar a chave reserva do alarme. A essa altura, Beto, indignado porque a mulherzinha já estava ligando para o celular dele o tempo todo, entra no primeiro ônibus rumo à Lapa. Sob protestos, claro.
O carro era velho, mas o som era bom. Tocava Barão Vermelho e todo mundo cantava alto: “Mais uma dose, é claro que eu tô a fim...”
Chegaram em Laranjeiras, pegaram a chave reserva do alarme. Rumo a Botafogo, Mila, a mulher do dono do restaurante (que só iria para a Lapa mais tarde, depois de baixar as portas do charmoso estabelecimento), começou a brochar.
– Ai, gente, amanhã o Márcio tem que acordar supercedo pra levar o João pra catequese. E o Pedro levanta às seis, não deixando ninguém dormir mais. E o Gui acaba acordando também... – começou a ladainha, narrando sua rotina com a escadinha de três pequenos filhos.
– Ih, Mila, deixa de ser chata. Uma noite só! A gente nunca mais caiu na night juntos! Aproveita que sua mãe tá tomando conta dos meninos... – disparou Ana.
– É isso mesmo! Pior somos eu e o Amaral, que ainda vamos ter que pegar a Maria Eduarda com a minha mãe antes de voltarmos pra casa – completou Adriana.
– Hahaha! Pior somos eu e o Rômulo, que, depois de tomar todas, ainda vamos dirigir até Jacarepaguá. Só de pensar já me dá preguiça – foi a vez de Ana se lamentar.
Um silêncio mortal se fez no carro. A animação começou a afrouxar...
– Gente, desisto... Vocês me deixam em casa? – Mila foi a primeira a abortar a ‘missão Lapa’.
Ana e Rômulo sucumbiram também:
– Pô, podes crer... É o maior chão até Jacarepaguá e já tá tarde pra caramba...
Adriana ficou revoltada:
– Não acredito, gente! Nós temos um sábado livre, sem crianças, não nos víamos há um tempão e agora vocês vão arregar? Vocês são um bando de velhos! O quê que custa tomar a saideira na Lapa e...
O celular dela toca, interrompendo seu discurso inflamado. O tom de voz muda, tornando-se quase melódico.
– Oi, mãe... É que o carro deu problema. Mas já estamos indo praí, tá?
Quando desliga, abaixa a cabeça e diz meio sem-graça:
– A Maria Eduarda acordou chorando... Amaral, vamos ter que voltar agora...
– Xiii... A Lapa foi pro brejo... – lamenta o maridão.
E assim os velhinhos quarentões, pais de família, rabinho entre as pernas, tomam o rumo de suas casas.
Lapa, fica pra próxima!

8 comentários:

Nathália Valle disse...

Sempre seremos o que já não somos. Gostei muito.
Arthur

Unknown disse...

Ana, eu li.

Patrícia Simoens disse...

Finalmente não me sinto tão só! Da minha galera, eu sou a única com filhos pequenos e fico pensando que TODO MUNDO tá saindo, tá em todas, menos eu e meu marido!
Acho que eu tenho que sair mais com vocês.
PERAÍ! Sair pra onde????
Saudades e bjs,
PatSi.

Fabio Bastos disse...

Está bem escrita, mas é muito pessoal, interessa ao autor e a quem participou. O título antecipa o final, o que aprendemos que não deve acontecer.
Bjs
Fabio

Luiz Fernando Prôa disse...

O texto está bem legal. Prendeu o interesse e com certeza muitos vão se ver ali descritos. A brochada coletiva é ótima. E o título é tudo de bom. Qualquer um vai querer saber por que a vaca foi... digo, por que a Lapa foi pro brejo. E surpreende, já que não foi a Lapa que foi pro brejo. Foram os velhos é que foram para cama.

patdantas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
patdantas disse...

Ah, que pena! Tudo parecia perfeito para uma saideira na Lapa...Engraçado, com exceção do Beto, todo mundo arrumou um motivo ou realmente algo inesperado acabou acontecendo. Acho que não era o dia da Lapa.

Por outro lado, essa história toda me fez pensar. Ter filhos é renunciar, abrir mão de muitas coisas. Então bate uma vontade de dizer: "Crianças, cresçam logo! Ainda temos muitas coisas a fazer, enquanto somos jovens". E quando esse tempo chegar pago pra ver: quais serão os novos motivos que arranjaremos para deixar de varar a madrugada, de tomar todas as saideiras, de dançar até as pernas ficarem bambas?

Pat Dantas

Unknown disse...

Essa crônica é a mais pura realidade. Os jovens que aproveitem, porque depois do casamento e dos filhos, a diversão acaba sendo outra: filminho com pipoca na sala de casa,almoço aos domingos na casa da sogra e festa de batizado. Dá pra curtir. Só não dá pra ficar até de madrugada na farra.