segunda-feira, 19 de maio de 2008

Uma carta para Zélia


Zélia se foi... E eu fiquei. Ela estava com 91 anos... Eu estou com 39. Começou a escrever tarde suas histórias. E eu tenho achado que está tarde demais para mim... Tenho demorado demais a fazer o que também demorou com Zélia. Mostrar ao mundo quem eu sou. Por anos e anos, ela viveu à sombra dos escritos do marido, o grande Jorge. Salve Jorge! Tão amado... Por ela, por mim, por todos. Era a primeira leitora dos livros do marido – que escrevia tudo à mão. Datilografava os originais. Dava pitaco. Às vezes aceitos, outras vezes não. Primeira revisora do marido? Pode ser... Preparadora de originais dele? Com certeza a primeira.
E eu sigo como Zélia, ao longo dos anos... À sombra dos mais diversos autores. Dos medíocres e dos brilhantes. Pelos medíocres (aqueles que separam com uma vírgula o sujeito do predicado, que escrevem ‘enquanto escritor’...), faço com que pareçam brilhantes. E pelos brilhantes? Bem, a esses concedo meus aplausos. E uma pitadinha de inveja.
Sinto que está na hora de sair do armário! Ou melhor, sair do Word e conquistar o mundo! Assim como Zélia fez. Aos 63 anos. Mas, se a mim fosse permitido escrever uma missiva a ser entregue por anjos, falaria assim para ela, que foi e sempre será uma das minhas escritoras preferidas:

“Zélia, minha querida, te adoro muito. Sempre te adorei. Sempre li suas histórias como se fosse uma tela de cinema passando pela minha mente. Mas, dessa vez, terei que discordar de você... Não quero esperar os sessenta para ser lida pelo grande público. Por mais respeito que eu tenha pelos mais velhos, por mais que eu saiba que a expectativa de vida não pára de aumentar, quero chegar aos quarenta já sendo lida e querida. Como você, minha querida Zélia.
Sabe, não fiquei mais triste do que deveria pela sua partida porque sei que uma pessoa como você não foi feita para ficar ligada a tubos e aparelhos. E porque sei também que, agora, você está com seu amado Jorge.
Em vida, quis tanto te entrevistar... Cheguei perto, mas a pauta foi para outra pessoa. Não deu para te conhecer pessoalmente... Espero, ainda assim, que você receba agora o meu amor e a minha gratidão por tudo de lindo que fez pela literatura no Brasil. E que daí, do paraíso que deve ser o mundo celestial dos escritores, você me abençoe, Zélia querida. Que peça a Deus (de quem está tão pertinho agora) que me ajude a ser pelo menos um pouquinho igual a você. Que meus caminhos se abram. Que eu tenha a sua coragem. Que eu tenha a sua simpatia. Que eu tenha o seu carisma.
De resto, deixa comigo!”

Uma salva de palmas para Zélia. E nem uma pitadinha de inveja. Ela fez por merecer!

8 comentários:

Fernando Freire Jr. disse...

Renato Russo, que era uma unanimidade enquanto letrista, sempre que perguntado sobre quando lançaria um livro, respondia que uma pessoa só poderia ser um bom escritor quando ficasse mais velho. Para ele, os jovens não dispunham de experiência e conhecimento suficientes para elaborarem um bom texto. Certamente há exceções, como Thomas Mann, mas não é preciso esperar tanto quanto a querida Zélia esperou. Gostei de sua homenagem porque, mais do que um leitor de Zélia, fui um grande admirador da mulher e da esposa de Jorge, lado que você fez questão de ressaltar. Então, minha amiga, que Zélia esteja por perto em cada momento que você fraquejar ou ficar de preguiça de escrever, e lhe sopre na nuca, lhe cause um arrepio e faça seus dedos grudarem no teclado. Beijos!

Fernando Freire Jr. disse...

Lembrei de uma história ótima, contada por João Ubaldo Ribeiro, que diz ter presenciado esta cena folclórica.
Estava ele em visita à Jorge Amado, sentado na sala de estar, enquanto o anfitrião revirava sua famosa maleta onde guardava um monte de tranqueiras - de estetoscópios a clipes de papel. Depois de um pequeno desentendimento com a esposa, Jorge reclamava de Zélia, fazendo aquele clássico muxoxo baiano e sussurrou para João:
- Agora você vê, João, Caymmi é que tem sorte na vida. Tem Stella que lhe apóia, uma companheira de verdade... E eu olha o que arrumo!
E fez beiço apontando pra cozinha, onde Zélia preparava um café. Mas eis que vem de lá a própria, que a tudo havia escutado. Sem a menor cerimônia ela vira pra João Ubaldo e manda na lata:
- Vê se pode, João! Um preto desses querendo se comparar a Caymmi!
E João Ubaldo caiu na inevitável gargalhada por causa de todo este dengo baiano.

Carlos Melo disse...

Oi Ana,
Também sou um apreciador do trabalho da Zélia. Bonita a homenagem que você lhe presta. Há dias atrás havia começado a rabiscar alguma coisa sobre ela. Lendo sua crônica, apressei-me em terminar a minha. Estou postando no nosso blog da Oficina.
Parabéns. Mais um belo trabalho.

Fabio Bastos disse...

Ana
Uma crônica desabafo. Deve ser duro para uma revisora como vc ter que analisar o trabalho dos outros e não ver o seu reconhecido. Não desanime, Paulo Coelho tb só apareceu tarde. Vc ainda vai sair do word e conquistar o mundo.
Bjs
Fabio

MISS TALBET disse...

Palmas para Zelia! Na minha opiniao ela era melhor escritora que o marido. Eu sabia dela desde "Anarquistas..." mas so fui ler seus livros ja fora do Brasil e sem muitas opcoes na biblioteca de lingua portuguesa. Adorei tudo o que li dela.
Palmas para voce Ana por sair do armario. Alem disso nunca eh tarde principalemte para a nossa geracao: " the forties are the new thirties".
Desculpe a falta de acentos mas meu teclado gringo nao os tem. Beijos,
Gizel.

MISS TALBET disse...

Palmas para Zelia! Na minha opiniao ela era melhor escritora que o marido. Eu sabia dela desde "Anarquistas..." mas so fui ler seus livros ja fora do Brasil e sem muitas opcoes na biblioteca de lingua portuguesa. Adorei tudo o que li dela.
Palmas para voce Ana por sair do armario. Alem disso nunca eh tarde principalemte para a nossa geracao: " the forties are the new thirties".
Desculpe a falta de acentos mas meu teclado gringo nao os tem. Beijos,
Gizel.

Unknown disse...

Ana parabéns pelo BLOG!!! Só texto bacana!!! Afinal de conta foi Ana Prôa que escreveu!!!
Beijo grande

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.