Tem duas coisas na vida que estou precisando urgentemente me acostumar: com o fato de que meu marido se tornou um homem do mar e com as demonstrações de amor em público de pessoas do mesmo sexo. O que uma coisa tem a ver com a outra? Nada. E tudo. Ontem à noite fui pescar com o Rômulo no quebra-mar da Barra. Ou melhor, acompanhei meu marido em seu mais novo hobby de infância e fiquei lá ao lado dele, com aquela cara de pastel, sem entender que tanto prazer é esse que ele encontra em jogar a linha e ficar um tempão segurando a vara. O lugar é lindo! Cheio de pescadores, de casais de namorados, de famílias passeando com seus carrinhos de bebê... Cenas bucólicas do meu Rio de Janeiro querido, que ainda por cima ostentava uma lua cheia incrível.
Logo que chegamos e começamos a andar pela passarela de pedras portuguesas, vi um casal dando um beijo daqueles de novela das nove. Um verdadeiro desentupidor de pia. Ambos tinham cabelos longos, até aí tudo bem. Foi quando minha caçula – sempre ela! – disparou com os olhos esbugalhados:
– Mamãe, você viu? Duas mulheres se beijando!
– Que duas mulheres o quê, filha! O homem tem cabelo comprido também, só isso.
Do alto de sua sabedoria e serenidade, minha filha mais velha virou pra mim com seu olhar blasé e disse com toda a calma:
– São duas mulheres sim, mãe.
– Como assim??? Não pode! Isso aqui é um lugar público. São 7 da noite. Que doideira é essa?
– Você é que tá doida, mãe. Não é você que vive dizendo que a gente não pode ter preconceito?
Milana, como sempre, puxou minhas orelhas e me chamou à realidade.
O fato é que o casal feminino ficou lá um tempão, às vistas de todo mundo, no maior carinho. Era um casal de namorados como outro qualquer. E eu, de vez em quando, dava uma olhadinha pra lá pra ver se era miragem ou se era aquilo mesmo... Famílias passando na frente delas e nem se abalando. Tudo muito normal.
Lembrei dos meus avós e até mesmo dos meus pais. Na época em que eles eram jovens, beijos (hetero, claro) em público eram um absurdo. Se alguém desse um amasso numa praça à luz do dia ou mesmo à luz da lua, era capaz de levar um carão das pessoas ao redor (pra quem não sabe, levar um carão é o termo antiguinho pra dizer “tomar um esporro messssssssmo!”). Pois meus avós e meus pais tiveram que se acostumar a andar pelas ruas e ver casaizinhos se beijando em qualquer esquina. E agora é a minha vez de me adaptar. Se não bastasse eu ter sido personagem vivo da mudança da máquina de escrever para o computador, também teria que entrar para a história como integrante dos anos em que o beijo gay em público se tornou a coisa mais natural do mundo.
E, quer saber, tô gostando disso!!!! Assim como hoje não imagino minha vida sem o computador, acho que também não vejo a hora em que o mundo viva sem a hipocrisia de achar que só existe homem com mulher. Chega dessa história de que homem com homem dá lobisomen, mulher com mulher dá jacaré. Homem com homem, mulher com mulher... pode dar uma linda história de amor! E se o amor está no ar, por que não mostrar????
Mais difícil do que eu me acostumar com o beijo homo ao ar livre vai ser me adaptar à nova fase de meu marido, que virou um pescador e velejador... No meu “contrato de casamento”, essa cláusula deveria estar em letrinhas bem, bem, bem pequenas. Li não... Mas assinei e vambora seguindo feliz pela vida com o meu homem-metamorfose.
E viva o amor sob todas as suas formas!
PS: Aproveitei o tédio da pescaria pra praticar o meu legítimo hobby de infância, herdado do meu vô Zé: fotografar. O clique que ilustra esse post é meu.