terça-feira, 30 de março de 2010
Pergunta de criança...
terça-feira, 23 de março de 2010
Casamento e TPM
sexta-feira, 19 de março de 2010
20 anos depois
Quando os primeiros raios de sol ousaram invadir o quarto, eles tiveram medo. Sabiam que estavam prestes a deixar aquele vazio da saudade se formar novamente.
No íntimo, torciam para que isso não levasse mais 20 anos...
quarta-feira, 10 de março de 2010
Pimenta com gelo
Todos os dias cumpria a mesma rotina. Acordava cedo, tomava banho e saía à rua vestindo seu metro e meio de corpo com calça de tergal, camisa de botão e sapato preto acinzentado pelo tempo. Cabelos perfeitamente penteados para trás e óculos com grossas armações pretas pendendo sobre o nariz.
Chegava na padaria da esquina e se sentava ao balcão. A atendente já o conhecia. “Bom dia, Baixinho. O de sempre, né?” Dois minutos depois estavam à frente dele um copo de leite gelado com achocolatado batido no liquidificador e um misto-quente. Em seguida, a moça do balcão lhe trazia os acompanhamentos: dois cubos de gelo e uma garrafinha de molho de pimenta. Baixinho mergulhava as pedras no leite, mexendo-o bem com um canudo. Milk on the rocks!!! E, a cada mordida no sanduíche, derramava porções generosas de pimenta no recheio.
O que levaria um homem a colocar gelo no leite, ainda mais já estando gelado? O que levaria um homem, às 7 das manhã, a colocar para dentro de si diversos mililitros de molho de pimenta? Essa era a vida do Baixinho... Após devorar avidamente o café da manhã, saía da padaria não sem antes se despedir da atendente e sumia no meio do tráfego em direção ao Centro da cidade.
No serviço, seu dia era pontuado por pequenos e velhos hábitos. Só entrava na firma com o pé direito, começava as atividades apenas após uma partidinha de Solitaire no computador, almoçava no mesmo restaurante – onde o garçom já deixava um vidrinho de molho de pimenta sobre a mesa à espera do cliente fiel –, tomava o cafezinho da tarde com uma colherzinha e meia de açúcar, só ia embora para casa depois de empilhar a papelada do dia no canto direito da mesa.
Voltava ao lar de sempre, vazio como sempre. Ligava a TV, sua grande companheira. Jantava um sanduíche de queijo (com pimenta) e uma Coca (com gelo), enquanto a casa se enchia da presença de tantos rostos e vozes conhecidos pela telinha. Programava o controle remoto para desligar a TV uma hora depois, deitava em sua cama vendo o Jornal Nacional e, antes do “Boa Noite” do Willian e da Fátima, ele já estava dormindo.
Que vida era essa a do Baixinho? Tão sem sal, tão sem tempero... Tão igual a de tanta gente por aí. Restava-lhe temperar seu dia-a-dia com molho de pimenta. E colocar gelo nas bebidas para aplacar sua brasa interna, doida para virar chama, mas contida pelo ar parado da monotonia.
sexta-feira, 5 de março de 2010
Amor incondicional
Ela aparentava muito mais idade do que realmente tinha. Andava um pouco curvada, retorcida por suas tristezas. Cabelos encanecendo cada vez mais rápido, mãos com veias saltadas, tez querendo vincar como folha de papel crepom. Há exatos 3 anos e 5 meses cumpria um ritual. Todos os domingos tomava um ônibus, depois pegava uma kombi pirata e descia diante daqueles muros altos, cobertos por arames farpados. Passava pela primeira cancela e dava bom dia. Caminhava mais um quilômetro a pé até chegar ao pavilhão onde se encontrava um grande amor.
Há exatos 3 anos e 5 meses seu filho cometera um ato insano. E foi recolhido naquele local talvez mais insano ainda. Ao chegar à unidade que abrigava seu tesouro, já estava acostumada com os protocolos. Entrava em uma pequena sala onde uma mocinha loura e simpática dizia: “Sei que a senhora não tem nada de errado, mas tenho que fazer meu trabalho.” Descalçava seus sapatos, despia suas roupas, sentava-se numa cadeira defronte à lourinha e abria as pernas. Constrangedor. Mas era capaz de fazer tudo isso e muito mais para estar lá.
Depois de liberada, era hora de ouvir os sons que faziam parte de seus pesadelos. O homem fardado balançava o molho de chaves, enfiava uma delas no grande cadeado, abria o portão de ferro e, após ela transpor a barreira que a separava de seu filho, escutava o som seco e contundente se fechando em suas costas. Logo sentia o aroma que custava a sair de suas narinas. Um cheiro ocre, ruim, indefinível. Inesquecível. Um cheiro triste. Atravessava o pátio coberto e ali, sentado num frio banco de cimento, estava seu filho a sua espera. Corriam para o abraço. Era sempre assim.
Nas poucas horas passadas juntos, ela muito falava, contava da vida lá fora. Ele muito escutava, às vezes chorava, às vezes esboçava um sorriso. Ora se mostrava deprimido achando que nunca sairia dali, ora se mostrava esperançoso por uma nova vida ao sair dali. E ela sempre lá, firme e amorosa. Mostrando a ele que o importante era mudar.
– Mãe, você deveria me odiar.
– Eu não te odeio. Santo Agostinho disse: odeie o pecado, mas não o pecador. Não aprovo o ato que você cometeu, mas jamais deixarei de te amar.
Ouvindo essas palavras, já repetidas tantas vezes, o filho recostava no peito de sua mãe e descarregava o peso do mundo que corroía suas fibras. O peso da culpa que congelava suas artérias. E sentia a esperança do perdão acenando para o seu coração.
Os ponteiros do relógio gritavam que havia chegado o fim a visita. Forte abraço trocavam. Ela beijava o rosto de seu filho, como se ele ainda fosse um menininho sendo deixado na porta da escola. Então se virava e ia andando, sem olhar para trás. Precisava ser forte.
Não derramava uma lágrima. Elas já haviam secado.
No domingo seguinte, estaria lá de volta.