terça-feira, 30 de março de 2010

Pergunta de criança...

Prostrada no sofá, eu assistia hipnoticamente ao penúltimo dia do BBB. Minhas filhas estavam na sala também. De repente entrou o texto e áudio com a advertência da Globo (por imposição do Ministério da Saúde), explicando como se pega Aids. A voz enfática disse: “através de sexo vaginal, sexo anal e sexo oral”. Gelei, contei até cinco e saí do meu estado apático. Tinha certeza de que não seria preciso mais do que cinco segundos para minha filha Carina – perguntadeira de plantão – lançar o constrangimento no ar:
– Mãe, o que é sexo oral?
Ai, ai, ai... Ferrou... (Pra não dizer outra coisa.)
– Filha, você é muito nova pra eu te responder isso.
Não acreditei que havia dito tamanha sandice. Logo eu, que sempre fui contra meias-palavras com crianças. Mas como explicar a uma menina de oito anos o que é sexo oral?
Minha filha de 12 anos, Milana, que finge que não sabe nada, mas pensa que sabe tudo, fazia ar blasé deitada no outro sofá.
Depois de Carina me perturbar mais umas três vezes com “Vai, mãe, fala o que é sexo oral!”, sem obter resposta, decidiu mudar de vítima:
– Mi, você sabe o que é sexo oral?
– Sei não, Carina...
Achei melhor me levantar e ir à cozinha, pra ver se o assunto morria. Mas ainda deu tempo de ouvir Milana sussurrando pra irmã: “Sexo oral é quando a gente fala palavrão.”
Aiiiiiiiii, aí já era demais. Voltei pra sala decidida. Não gosto de ver minhas filhas passando por bobas.
– Olha só, gente. Não é nada disso. Sexo oral não tem nada a ver com dizer palavrão.
Elas viraram os pescoços subitamente e me metralharam com os olhos. Queriam a resposta certa a qualquer custo. E, conhecendo a mãe maluca que têm, sabiam que eu ia dizer. Disparei:
– É simples. É fazer sexo com a boca!
– Ecaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! – gritou Carina.
Milana ficou calada. Acho que preferiu não alongar o assunto comigo, uma relés mãe. Certamente iria deixar pra debater o tema no dia seguinte, com suas amigas da escola – estas sim, as fontes mais confiáveis das adolescentes.
Eu sabia que não tinha explicado decentemente. Talvez as tivesse confundido até mais. Ainda assim, não podia deixar minhas filhas acharem que era algo ruim. Então respirei fundo e continuei:
– Não é eca não. Vocês são muito novinhas pra entender, por isso que eu não quis responder. Mas quando duas pessoas se amam e já são grandes, não é eca coisa nenhuma!
E parei por aí, mudando logo de assunto. Falar mais do que isso agora não dava, né?
Sexo é bom, é ótimo. Mas tem umas coisas meio eca mesmo que não dá pra explicar. Só dá pra experimentar no tempo certo. E gostar.
Um dias minhas filhas vão entender isso... Mesmo meu marido insistindo que elas vão permanecer virgens para todo o sempre!

terça-feira, 23 de março de 2010

Casamento e TPM



Já quis me separar de meu marido algumas vezes. Todas quando eu estava na TPM. Reparei isso... Falo coisas verborragicamente, lavo a roupa suja da relação, deixo o Rômulo com cara de quem não está entendendo nada, até que ele prefere ir embora e me deixar rosnando para o espelho. Hoje foi um dia desses...
Tá certo que, sob o efeito dos malditos hormônios pré-menstruais, já tomei decisões importantíssimas na vida. Certa vez, consegui fazer com que meu vizinho de cima finalmente parasse com o pinga-pinga do ar-condicionado dele sobre o meu, enviando uma carta para o conselho de síndicos do condomínio, com cópia pro meu adorado vizinho. Na amorosa missiva, eu dizia que estava sendo torturada com aquele barulho infernal durante a noite. Comparei o meu quarto a uma cela do DOI-Codi! Pô, eu já tinha pedido pra ele resolver o problema civilizadamente dezenas de vezes antes. A gota d'água, literalmente, teve fim graças à minha poderosa TPM. No dia seguinte à carta, o problema estava resolvido.
Minha tensão pré-menstrual – que, felizmente, não é todo mês que se apossa de meu corpo – é realmente minha amiga em vários momentos. Me impulsiona, por exemplo, a resolver assuntos pendentes ou a dar o fora em alguém que estava precisando ouvir faz tempo... Mas é também minha pior inimiga. Ela é capaz de me fazer esvaziar uma lata de leite condensado sozinha, numa tacada só, me faz gritar com minhas filhas por qualquer motivo besta e, que droga, encontra como seu pior algoz a pessoa que tanto amo: meu marido.
A explosão de hoje, porém, me deixou pensando se a TPM, nesse caso, estava sendo minha amiga ou minha inimiga. Será que todas as palavras que falei pro Rômulo foram injustas? Ou será que tinham um fundo de verdade? Eram gritos adormecidos ou piti de mulher fresca? Será que vão movimentar meu casamento para mudanças positivas ou vão trazer o fim dele? Pode ser o fim, porque ele saiu de casa sem falar comigo, com cara de quem ia socar a primeira pessoa que visse pela frente (ainda mais se fosse uma mulher na TPM). Mas também pode ser o começo de uma nova era matrimonial...
Sei lá... O jeito é aguardar as cenas dos próximos capítulos. Querido leitor, vou deixar você na expectativa...
E agora me diga: se você é mulher, tem alguma história de TPM engraçada pra contar? Se você é homem, já presenciou (ou foi vítima) de uma mulher entepemoniada? (Caraca, gostei do neologismo, rsrsrs...) Escreva no comentário!!!! Aguardarei ansiosa. Se você não escrever, juro que te risco da minha lista de amizades!!!!! (Não esqueça que estou na TPM!!!!!)

sexta-feira, 19 de março de 2010

20 anos depois



Não... Ela não podia acreditar... Aquele homem alto, um pouco mudado pelo tempo mas ainda tão bonito, era ele mesmo? Estava fazendo o check-in quando o viu cruzar o saguão do luxuoso hotel. O olhou tão fixamente, mas tão fixamente, que esta vibração deve ter surtido algum efeito. De repente, ele virou o rosto na direção dela. E seus olhares se cruzaram. Os vinte anos de distância que separavam a última vez que se encontraram se reduziram a nada. Ele sorriu. Ela sorriu.
Caminharam na direção um do outro. “Nossa, quanto tempo?”, falaram ao mesmo instante. E riram. “Você também está hospedado aqui?” Claro que sim! Ela nem precisava perguntar isso, mas cadê o assunto? Ambos estavam naquela cidade fria a trabalho. Tinham um tempinho antes de seus compromissos. Foram tomar um drinque, por que não?
A última noite que haviam passado juntos tinha sido mágica. Eles nunca se amaram como os românticos acreditam ser o amor. Mas sempre sentiram uma atração incontrolável. Como explicar isso? Pra que explicar... A aspereza dos lençóis dos hotéis baratos que frequentavam na juventude compreendia tudo! Até o momento em que a vida de cada um tomou seu rumo e seus corpos se perderam.
Os poucos minutos no bar do hotel afastaram qualquer hiato que aqueles anos impuseram. Falaram de suas carreiras vitoriosas, de suas famílias, de seus filhos... Estavam tão confortáveis conversando, mas o relógio, esse estraga-prazeres, os chamou à razão. Combinaram de se encontrar naquele mesmo lugar às 8.
Os ponteiros se arrastaram... Por que a noite estava demorando tanto pra chegar? Nas reuniões chatas, a cabeça de um estava no pensamento do outro.
Finalmente, a hora. Cara a cara, corpos bem pertinho, se entregaram aos vapores etílicos. Naquele momento, não havia mais família, não havia mais cônjuge, não havia mais juízo. Não se sentiam traindo ninguém. Nos últimos 20 anos, outras pessoas é que tomaram seus lugares. Um era do outro, de alguma maneira. Então, natural que subissem para a suíte e se amassem como se jovens ainda fossem. Agora sobre macios lençóis de cetim.
Toda a cumplicidade estava de volta. Todo o prazer. O maior prazer de todos. Não se importavam com as mudanças em seus corpos. O amadurecimento os havia deixado ainda mais interessantes. Uma noite inteira de entrega. Uma grande saudade preenchida.
       Quando os primeiros raios de sol ousaram invadir o quarto, eles tiveram medo. Sabiam que estavam prestes a deixar aquele vazio da saudade se formar novamente.
Não tinha jeito... O trabalho de cada um naquela cidade fria – que eles tanto aqueceram – havia chegado ao fim. Se despediram no saguão sem um abraço sequer. Apenas um dissimulado aperto de mãos, acompanhado por olhares cúmplices. Não trocaram telefones. Que o destino se encarregasse de os reaproximar. 
          No íntimo, torciam para que isso não levasse mais 20 anos...

quarta-feira, 10 de março de 2010

Pimenta com gelo


Todos os dias cumpria a mesma rotina. Acordava cedo, tomava banho e saía à rua vestindo seu metro e meio de corpo com calça de tergal, camisa de botão e sapato preto acinzentado pelo tempo. Cabelos perfeitamente penteados para trás e óculos com grossas armações pretas pendendo sobre o nariz.

Chegava na padaria da esquina e se sentava ao balcão. A atendente já o conhecia. “Bom dia, Baixinho. O de sempre, né?” Dois minutos depois estavam à frente dele um copo de leite gelado com achocolatado batido no liquidificador e um misto-quente. Em seguida, a moça do balcão lhe trazia os acompanhamentos: dois cubos de gelo e uma garrafinha de molho de pimenta. Baixinho mergulhava as pedras no leite, mexendo-o bem com um canudo. Milk on the rocks!!! E, a cada mordida no sanduíche, derramava porções generosas de pimenta no recheio.

O que levaria um homem a colocar gelo no leite, ainda mais já estando gelado? O que levaria um homem, às 7 das manhã, a colocar para dentro de si diversos mililitros de molho de pimenta? Essa era a vida do Baixinho... Após devorar avidamente o café da manhã, saía da padaria não sem antes se despedir da atendente e sumia no meio do tráfego em direção ao Centro da cidade.

No serviço, seu dia era pontuado por pequenos e velhos hábitos. Só entrava na firma com o pé direito, começava as atividades apenas após uma partidinha de Solitaire no computador, almoçava no mesmo restaurante – onde o garçom já deixava um vidrinho de molho de pimenta sobre a mesa à espera do cliente fiel –, tomava o cafezinho da tarde com uma colherzinha e meia de açúcar, só ia embora para casa depois de empilhar a papelada do dia no canto direito da mesa.

Voltava ao lar de sempre, vazio como sempre. Ligava a TV, sua grande companheira. Jantava um sanduíche de queijo (com pimenta) e uma Coca (com gelo), enquanto a casa se enchia da presença de tantos rostos e vozes conhecidos pela telinha. Programava o controle remoto para desligar a TV uma hora depois, deitava em sua cama vendo o Jornal Nacional e, antes do “Boa Noite” do Willian e da Fátima, ele já estava dormindo.

Que vida era essa a do Baixinho? Tão sem sal, tão sem tempero... Tão igual a de tanta gente por aí. Restava-lhe temperar seu dia-a-dia com molho de pimenta. E colocar gelo nas bebidas para aplacar sua brasa interna, doida para virar chama, mas contida pelo ar parado da monotonia.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Amor incondicional

Ela aparentava muito mais idade do que realmente tinha. Andava um pouco curvada, retorcida por suas tristezas. Cabelos encanecendo cada vez mais rápido, mãos com veias saltadas, tez querendo vincar como folha de papel crepom. Há exatos 3 anos e 5 meses cumpria um ritual. Todos os domingos tomava um ônibus, depois pegava uma kombi pirata e descia diante daqueles muros altos, cobertos por arames farpados. Passava pela primeira cancela e dava bom dia. Caminhava mais um quilômetro a pé até chegar ao pavilhão onde se encontrava um grande amor.

Há exatos 3 anos e 5 meses seu filho cometera um ato insano. E foi recolhido naquele local talvez mais insano ainda. Ao chegar à unidade que abrigava seu tesouro, já estava acostumada com os protocolos. Entrava em uma pequena sala onde uma mocinha loura e simpática dizia: “Sei que a senhora não tem nada de errado, mas tenho que fazer meu trabalho.” Descalçava seus sapatos, despia suas roupas, sentava-se numa cadeira defronte à lourinha e abria as pernas. Constrangedor. Mas era capaz de fazer tudo isso e muito mais para estar lá.

Depois de liberada, era hora de ouvir os sons que faziam parte de seus pesadelos. O homem fardado balançava o molho de chaves, enfiava uma delas no grande cadeado, abria o portão de ferro e, após ela transpor a barreira que a separava de seu filho, escutava o som seco e contundente se fechando em suas costas. Logo sentia o aroma que custava a sair de suas narinas. Um cheiro ocre, ruim, indefinível. Inesquecível. Um cheiro triste. Atravessava o pátio coberto e ali, sentado num frio banco de cimento, estava seu filho a sua espera. Corriam para o abraço. Era sempre assim.

Nas poucas horas passadas juntos, ela muito falava, contava da vida lá fora. Ele muito escutava, às vezes chorava, às vezes esboçava um sorriso. Ora se mostrava deprimido achando que nunca sairia dali, ora se mostrava esperançoso por uma nova vida ao sair dali. E ela sempre lá, firme e amorosa. Mostrando a ele que o importante era mudar.

– Mãe, você deveria me odiar.

– Eu não te odeio. Santo Agostinho disse: odeie o pecado, mas não o pecador. Não aprovo o ato que você cometeu, mas jamais deixarei de te amar.

Ouvindo essas palavras, já repetidas tantas vezes, o filho recostava no peito de sua mãe e descarregava o peso do mundo que corroía suas fibras. O peso da culpa que congelava suas artérias. E sentia a esperança do perdão acenando para o seu coração.

Os ponteiros do relógio gritavam que havia chegado o fim a visita. Forte abraço trocavam. Ela beijava o rosto de seu filho, como se ele ainda fosse um menininho sendo deixado na porta da escola. Então se virava e ia andando, sem olhar para trás. Precisava ser forte.

Não derramava uma lágrima. Elas já haviam secado.

No domingo seguinte, estaria lá de volta.