Ela olhava o relógio a cada minuto. A hora passava muito lentamente. Era mais uma viagem a trabalho e ela estava a postos numa esquina de Belo Horizonte, esperando os ponteiros chegarem às 14 horas para poder tocar na casa do cliente. Antecipar a visita seria deselegante. O jeito era aguardar...
Parou numa esquina, a poucos metros do prédio aonde iria. Recostou na murada de uma casa antiga – que destoava dos prédios modernos daquele bairro chique – e acomodou as nádegas num banco improvisado formado entre o muro e a grade. Começou a reparar na vida ao seu redor. Estava num cruzamento entre duas ruas muito bonitas e arborizadas. Viu por ali desfilarem domésticas passeando com minicães da moda, quarentonas saradas aparentando vinte anos e alguns carros com design arrojado. Mas naquela esquina, por dentro dela, não havia beleza nem modernidade.
Há duas semanas, ela havia sofrido um baque emocional muito forte. Uma perda familiar. Mas uma perda que se mantinha viva, respirando. Por trás das grades. Não há nada a fazer quando alguém que se ama segue um caminho torto. A não ser derramar lágrimas de dor e tentar retomar o caminho reto, ainda que a passos trôpegos. Era o que ela tentava fazer agora. Retomar as viagens a trabalho, seguir sua rotina. Mas ali, parada naquela esquina, foi obrigada a ficar vários minutos em silêncio consigo mesma. Inevitável a dor emergir, como a comida em refluxo, queimando a garganta e deixando um gosto extremamente ácido na boca.
Suspirou. Respirou fundo. Olhou para o chão. De repente, teve vontade de olhar para o céu. Os prédios altos serviam como moldura para uma fresta de céu em forma de cruz. Engraçado... – ela observou. Um lado estava bem azul. O outro ostentava uma nuvem cinza bem carregada, que choraria a qualquer momento – tal como ela. Quem dominaria aquela paisagem: a luz do céu claro ou a tristeza plúmbea? Pensou: “Meu Deus, faça com que minha vida volte a ser azul como vejo parte deste céu. Afasta de mim, Pai, essas nuvens pesadas que insistem em me dominar.”
Suspirou novamente. Respirou fundo outra vez. Olhou para o relógio: 13h59. Desacoplou-se da murada e foi andando lentamente para o prédio-destino. Ao atravessar a rua estreita, sentiu subitamente um perfume muito conhecido. O de seu pai. Quantas vezes, antes de ele morrer, ela o presenteara com aquela fragrância... Olhou para os lados e não havia ninguém por perto que pudesse estar usando aquele perfume. Ninguém. De repente, um cheiro de flores invadiu o ar ao seu redor, formando uma atmosfera de aroma indescritível. Olhou para as árvores, olhou para os canteiros, olhou para os prédios daquele pequeno trecho em que caminhava. Não havia flor em canto algum.
Sentiu-se amparada. Sentiu-se ouvida. Naquela esquina, olhou para o céu e conversou com Deus. E Ele, por meio dos aromas, a respondia: “Estou com você, minha filha. As nuvens cinzas irão passar. Mesmo enquanto ainda estão com você, também Eu sigo ao teu lado.”
Tocou no interfone do prédio chique de Belo Horizonte às 14 em ponto. Seguiu trabalhando, ainda um pouco pesada. Mas aprumou-se para a vida. Entendeu que, na batalha entre o azul e o cinza, o azul haveria de ganhar.