Todos os anos, nada mudava na ceia de Natal da família de D. Cristina: muito amor, muita união entre ela e os sete filhos pequenos e, na mesa... pipoca com groselha! Quando algum vizinho com alguns tostões a mais se solidarizava, a ceia ganhava novas cores com rabanada e frango assado. Ainda assim, a groselha continuava lá, e D. Cristina fazia o brinde à meia-noite como se vinho ali tivesse.
Pipoca era o prato preferido dos meninos de D. Cristina. A escadinha se deliciava com aquele quitute barato nas datas comemorativas, mas que para eles adquiria requintes de banquete. Tanto é que, quando um gatinho vira-lata branco, de corpo magérrimo e cabeça imensa apareceu no quintal daquela família, virou logo agregado e não podia existir nome melhor para batizá-lo: Pipoca!
Pipoca virou um gatão. Mas seu corpo continuou esquálido e a cabeça imensa, como um milho estourado na panela. Naquele 24 de dezembro, Pipoca saiu para seus bordejos habituais e a criançada nem ligou. Estava muito atarefada. Zica, a mais velha, já com seus 13 anos, comandava os irmãos menores na arrumação da casa. “Temos que deixar tudo muito limpo! Mamãe vai chegar cansada do serviço e hoje é dia de Natal. Temos que dar essa alegria pra ela!”
Quando D. Cristina chegou, no final da tarde, foi com brilho nos olhos que mostrou à filharada a aquisição para a ceia daquela noite! Com uma das mãos em riste, como que segurando um prêmio, balançava uma sacola de mercado com um frango dentro. “Meninos, tinha um político lá na praça distribuindo frangos! Sorte nossa que esse ano agora vai ter eleição! Nos demos bem!”
A gritaria foi geral. A meninada estava empolgada. O frango foi imediatamente temperado com ervas cultivadas sabiamente numa nesga de terra do pequeno quintal e seguiu pro forno. Quando o cheirinho começou a invadir o casebre, eis que aparece na sala o Pipoca, trazendo sua própria iguaria de Natal presa à boca. Uma grande posta de bacalhau! Imensa, gorda! Já devia estar de molho há mais de um dia, quando o gato gatuno roubou de alguma janela desprevenida da vizinhança.
D. Cristina mal acreditava no que via. Renatinho, o caçula, tentou em vão tirar o bacalhau dos dentes de Pipoca. O bichano não soltava! Zica e os outros seis irmãos uniram forças que nem cabo-de-guerra, tentando puxar o petisco e nada! Pipoca se agarrava ao seu jantar e já estava com o pêlo ouriçado, pronto para dar o bote no primeiro que se intrometesse entre ele e o bacalhau.
De vassoura em punho, D. Cristina resolveu a situação. Deu umas tantas vassouradas no bichano, que não houve jeito de o Pipoca se safar. Soltou o bacalhau, saiu correndo pela noite e a criançada pulou sobre a posta como se fosse bola de futebol. Americano, diga-se de passagem.
O bacalhau foi fervido e refervido. (Sabe-se lá por onde o Pipoca o havia arrastado?!) Temperado com alegria, lá foi ele pra panela! Aqueles 16 olhinhos nunca tinham visto um tão perto da cozinha deles. Que ceia inacreditável teriam pela frente! Frango, bacalhau! E nada de pipoca! Iam guardar o saco de milho comprado com sacrifício para estourar na festa de ano-novo.
Perto da meia-noite, tudo pronto. Pipoca apareceu de soslaio na soleira da porta e foi recebido com grande carinho. Era o herói da noite. O Papai Noel tupiniquim! Ganhou um pratinho com umas raspinhas de bacalhau junto de pão adormecido, para dar mais substância. Ele merecia!
Mas, na hora de sentar à tosca mesa, D. Cristina estava incomodada. Era muita fartura ali à sua frente! Lembrou de seu vizinho lá do final da rua. Um rapaz jovem, que ficara viúvo, tendo três filhos para criar. Pobrezinho, pobrezinho... Mais do que ela, se aquilo fosse possível...
Não pensou duas vezes: pegou um pano de prato meio roto e envolveu a travessa plástica que acomodava o frango. Saiu pela porta afora em passos apressados e os meninos correram atrás da mãe, sem entender nada. Chegando na casa do vizinho, viu que eles tinham à mesa... pipoca. Com um grande sorriso no rosto, D. Cristina empurrou a tigela pro lado e colocou a travessa com o frango.
– Feliz Natal, Antonio. Pra você e pras suas crianças.
Deu meia-volta e aí, sim, pôde sentar-se com a filharada e saborear sua ceia farta, naquela noite de Natal inesquecível.
Pipoca era o prato preferido dos meninos de D. Cristina. A escadinha se deliciava com aquele quitute barato nas datas comemorativas, mas que para eles adquiria requintes de banquete. Tanto é que, quando um gatinho vira-lata branco, de corpo magérrimo e cabeça imensa apareceu no quintal daquela família, virou logo agregado e não podia existir nome melhor para batizá-lo: Pipoca!
Pipoca virou um gatão. Mas seu corpo continuou esquálido e a cabeça imensa, como um milho estourado na panela. Naquele 24 de dezembro, Pipoca saiu para seus bordejos habituais e a criançada nem ligou. Estava muito atarefada. Zica, a mais velha, já com seus 13 anos, comandava os irmãos menores na arrumação da casa. “Temos que deixar tudo muito limpo! Mamãe vai chegar cansada do serviço e hoje é dia de Natal. Temos que dar essa alegria pra ela!”
Quando D. Cristina chegou, no final da tarde, foi com brilho nos olhos que mostrou à filharada a aquisição para a ceia daquela noite! Com uma das mãos em riste, como que segurando um prêmio, balançava uma sacola de mercado com um frango dentro. “Meninos, tinha um político lá na praça distribuindo frangos! Sorte nossa que esse ano agora vai ter eleição! Nos demos bem!”
A gritaria foi geral. A meninada estava empolgada. O frango foi imediatamente temperado com ervas cultivadas sabiamente numa nesga de terra do pequeno quintal e seguiu pro forno. Quando o cheirinho começou a invadir o casebre, eis que aparece na sala o Pipoca, trazendo sua própria iguaria de Natal presa à boca. Uma grande posta de bacalhau! Imensa, gorda! Já devia estar de molho há mais de um dia, quando o gato gatuno roubou de alguma janela desprevenida da vizinhança.
D. Cristina mal acreditava no que via. Renatinho, o caçula, tentou em vão tirar o bacalhau dos dentes de Pipoca. O bichano não soltava! Zica e os outros seis irmãos uniram forças que nem cabo-de-guerra, tentando puxar o petisco e nada! Pipoca se agarrava ao seu jantar e já estava com o pêlo ouriçado, pronto para dar o bote no primeiro que se intrometesse entre ele e o bacalhau.
De vassoura em punho, D. Cristina resolveu a situação. Deu umas tantas vassouradas no bichano, que não houve jeito de o Pipoca se safar. Soltou o bacalhau, saiu correndo pela noite e a criançada pulou sobre a posta como se fosse bola de futebol. Americano, diga-se de passagem.
O bacalhau foi fervido e refervido. (Sabe-se lá por onde o Pipoca o havia arrastado?!) Temperado com alegria, lá foi ele pra panela! Aqueles 16 olhinhos nunca tinham visto um tão perto da cozinha deles. Que ceia inacreditável teriam pela frente! Frango, bacalhau! E nada de pipoca! Iam guardar o saco de milho comprado com sacrifício para estourar na festa de ano-novo.
Perto da meia-noite, tudo pronto. Pipoca apareceu de soslaio na soleira da porta e foi recebido com grande carinho. Era o herói da noite. O Papai Noel tupiniquim! Ganhou um pratinho com umas raspinhas de bacalhau junto de pão adormecido, para dar mais substância. Ele merecia!
Mas, na hora de sentar à tosca mesa, D. Cristina estava incomodada. Era muita fartura ali à sua frente! Lembrou de seu vizinho lá do final da rua. Um rapaz jovem, que ficara viúvo, tendo três filhos para criar. Pobrezinho, pobrezinho... Mais do que ela, se aquilo fosse possível...
Não pensou duas vezes: pegou um pano de prato meio roto e envolveu a travessa plástica que acomodava o frango. Saiu pela porta afora em passos apressados e os meninos correram atrás da mãe, sem entender nada. Chegando na casa do vizinho, viu que eles tinham à mesa... pipoca. Com um grande sorriso no rosto, D. Cristina empurrou a tigela pro lado e colocou a travessa com o frango.
– Feliz Natal, Antonio. Pra você e pras suas crianças.
Deu meia-volta e aí, sim, pôde sentar-se com a filharada e saborear sua ceia farta, naquela noite de Natal inesquecível.